Por
Valério Mesquita
“ ‘Cinco
Bocas’ foi o território humano e sentimental de Macaíba, cuja embaixada era o
bar “Gato Preto”,
que tem suas origens nos primórdios da “civilização”. Foram quase cem anos de história
viva, de pastores da terra, das nuvens, das estrelas, queimando vigílias na
província submersa. Chão sagrado de antepassados, povoado de rostos ocultos, de
figuras pálidas por longas noites assombradas. Nele vislumbro os vultos
inaugurais de Zé Solon, Alberto Silva, Chico Cajueiro, Lula Ramos, Jorge
Chocalheiro, Zé Pelado, Manoel Sabino, Chico de Dulce, Banga, Sinval Duarte,
Manoel Pixilinga, Jorge de Papo, Odilon Benício, entre tantos outros que
desapareceram vítimas do tempo, esse astrólogo arbitrário. As “Cinco Bocas”
ferinas, são cinco ruas que deságuam como um rio noturno na intimidade simples
dos lençóis de minha terra. Rua do Cajueiro, Rua do Benjamim, Beco de Seu
Alfredo, Beco do Mercado
e Rua da Cruz. Esse pedaço de chão no centro de Macaíba carrega a saga lírica,
popular e mística de muitos obreiros que gastavam saliva diariamente no pórtico
de suas entranhas, de suas calçadas.
O ‘Gato Preto’ sempre foi o antigo desterro
de mim mesmo, da infância perdida mas petrificada no silêncio de suas paredes.
Mas, o que importa é que por onde andei eu carreguei o seu andor. Mesmo
deformado fisicamente, o seu espírito vive. Basta contemplá-lo e deixar-se
envolver na sua atmosfera densa, no centro de Macaíba. Era um bar, com todos os
seus habitantes. Figuras opacas, empíricas, etílicas. Todos reduzidos a
humanidade comum. Todos crentes de que a verdade e a vida nunca estão num único
sonho mas em muitos. Foi o nosso “Grande Ponto” que tombou e morreu como o de
Natal. Tanto ontem quanto hoje, caracterizou-se como um cenário profuso e
difuso, tecido de conversas banais, de palavras soltas, malandras, boatos,
chafurdos soprados pelo errante vento da esquina. Tudo coisas fugidias:
prateleiras, garrafas solitárias e eternas, sinucas, bilhares. Todos os seus
notívagos caminheiros são incertos, dispersos e derradeiros. Aí de nós se não
fosse o mistério do nome, do 13, do “Gato Preto”. Por que “Gato Preto”? Não
sei. E as coisas misteriosas são fascinantes. É por isso que se encantaram...”